A comunidade de Lagoa de Bastos, em Piatã (BA), liga a presença de um parque eólico à morte do menino Paulo Gustavo, de 13 anos, e a danos em suas casas. O garoto morreu soterrado em uma vala de drenagem aberta pela empresa Pan American Energy (PAE) durante a construção de uma estrada para transporte de equipamentos. A vala acumulava água da chuva e, ao brincar no local, crianças escavaram a contenção de terra até ela desabar. O colega de Paulo, filho do agricultor Delci Moreira, ficou soterrado até a cintura e sobreviveu.
A tragédia, ocorrida em 2024, expôs um dos vários conflitos envolvendo a instalação de parques eólicos em áreas sensíveis da Chapada Diamantina. Moradores denunciam que a empresa não fechou a via como prometido, tampouco prestou assistência psicológica às famílias. A empresa afirma que “lamenta profundamente” o ocorrido, mas nega relação com o acidente. O caso reavivou uma série de protestos já feitos contra a obra, marcada por desrespeito a acordos e ausência de diálogo, segundo relatos locais.
Além da dor pela perda, a comunidade enfrenta problemas estruturais. Casas rachadas, barulho intenso e mudanças bruscas no cotidiano são apontadas como consequências das explosões controladas usadas para instalar as turbinas eólicas, especialmente na comunidade vizinha de Brejão. Moradores como Edimar dos Santos relatam prejuízos não indenizados e reformas custeadas com recursos próprios. Outros, como Valdecy Barbosa, que abriga uma turbina no terreno, recebem mensalmente até R$ 6 mil — um benefício restrito a poucos.
Os efeitos vão além das paredes. Segundo relatos, a poeira constante, a lama no período de chuvas e a redução no abastecimento de água encanada agravam a vida dos moradores. As nascentes da região também estão secando. Para Isabel dos Anjos, de 75 anos, a situação é insustentável: “Quando está seco, é poeira demais. Quando chove, não consigo andar”.
A professora Gislene Moreira, da Uneb e integrante do Observatório de Conflitos na Chapada Diamantina, afirma que comunidades mais distantes das turbinas costumam reagir com mais força, como ocorreu em Lagoa de Bastos, onde protestos tentaram barrar a obra. Já as comunidades mais próximas, como Brejão, resistem menos inicialmente, possivelmente por expectativa de compensações financeiras.
Delci Moreira, pai do menino sobrevivente, resume a frustração: “Prometeram Deus e o mundo e não fizeram nada”. Na vala onde tudo aconteceu, ele aponta para o chão e mostra a sandália que pertenceu a Gustavo, ainda ali. “Para não dizer que é mentira, o chinelo dele está aqui até hoje.” A comunidade, que antes tinha nas crianças em liberdade um sinal de tranquilidade, agora carrega marcas profundas — físicas, emocionais e estruturais.