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Um “Instagrâmicos Anônimos” para ajudar a quem quer se livrar do vício da droga psicológica que se tornou a rede social

Um “Instagrâmicos Anônimos” para ajudar a quem quer se livrar do vício da droga psicológica que se tornou a rede social

Com sua verve inconfundível, o jornalista e compositor Nelson Motta imaginou para breve o surgimento desse novo grupo de ajuda mútua, a exemplo dos Alcoólicos Anônimos e Neuróticos Anônimos, num artigo oportuno, necessário e atualíssimo sobre os efeitos insidiosos das redes sociais, especialmente o Instagram. Concordo em gênero, número e grau.

Tive a honra de não só acompanhar desde os anos 1990, o surgimento e evolução das mídias tradicionais (jornal impresso, rádio e televisão), mas sobretudo atuar em todas e o que hoje vemos no mundo digital é um desdobramento paradoxal: mais vozes, menos escuta; mais conexão, menos profundidade. O próprio Motta, que viveu e brilhou em todas essas plataformas, testemunha a sedução do imediatismo e a armadilha da distração contínua.

Quando ele relata a sensação de independência ao entrar no Instagram: “ter seu próprio jornal, sua rádio e sua TV”, reconheço exatamente a euforia de quem sempre batalhou por espaço nos grandes veículos e, de repente, se vê dono da própria vitrine. Mas a liberdade é ilusória: logo vem o algoritmo, puxando você para dentro de uma espiral de irrelevâncias.

Patologia contemporânea

Como bem definiu o autor, não se trata apenas de um hábito, mas se torna um vício da era digital, mais clinicamente, uma dependência, uma patologia contemporânea, uma espécie de droga psicológica. E, como jornalista, radialista e assessor de imprensa, sei o quanto essa dependência mina a capacidade de foco, de reflexão e de apuração criteriosa.

Ele acerta em cheio quando denuncia o exibicionismo, as “sinceridades envergonhantes” e a enxurrada de opiniões sem lastro que invadem nossas telas. Trata-se de uma overdose diária de vaidade e desinformação, travestida de engajamento. Para quem lida com comunicação há mais de três décadas, como eu, é assustador ver o quanto a banalização da exposição esvazia o valor da mensagem, sem falar na proliferação de “colunistas” de IA. A rede que prometia ampliar o alcance da informação tem servido, muitas vezes, apenas para multiplicar ruídos de toda espécie.

A vida se vive off-line

O drama do excesso, aliás, também está no conteúdo “de qualidade”: temas relevantes, fontes confiáveis, análises densas… tudo misturado, numa cacofonia de estímulos que, em vez de esclarecer, confunde. Nelson confessa, com lucidez, que quanto mais aprende, menos certezas, o que paradoxalmente é bom. Concordo. O jornalismo sempre foi movido pela dúvida, pelo desejo de compreender melhor, de fazer perguntas incômodas. Mas na rede, a dúvida é triturada pela pressa e pelo apelo ao clique.

E, por fim, com o mesmo olhar arguto, Nelson revela que a vida real, a que importa mesmo, acontece fora das telas. Seu comentário final sobre os vilões da novela “Vale Tudo” é mais do que uma digressão pop: é uma metáfora. Estamos viciados nos antagonistas digitais, nos perfis mais estridentes, nos personagens mais performáticos. Mas é hora de olhar para dentro, recuperar o silêncio, o tempo e a escuta e lembrar que, como ele diz, a vida se vive off-line.

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