Comunidades terapêuticas, residências terapêuticas, entidades e ONGs de acolhimento se multiplicam em todo o Brasil com a promessa de recuperar dependentes de álcool e de drogas ilícitas, mas em muitos casos funcionam na clandestinidade, sem estrutura física adequada, sem profissionais qualificados e sem qualquer registro oficial. Longe de devolver os internos recuperados às famílias e à sociedade, entidades acabam expondo homens, mulheres e até adolescentes a riscos de abusos, violência, negligência e até morte.
Um desses episódios ocorreu em Queimadas, município da Paraíba que ganhou repercussão nacional por um caso de estupro coletivo com feminicídio. No ano passado, uma “comunidade terapêutica” improvisada na zona rural da cidade abrigava 15 internos, entre eles uma adolescente, situação que chamou a atenção da Prefeitura, que acionou o MPPB e desencadeou investigações sobre as condições de funcionamento do espaço.
Sem qualquer licença
O inquérito civil público revelou que uma ONG operava em uma casa alugada na comunidade do Zé Velho. Segundo denúncia encaminhada pela Secretaria de Saúde ao Conselho Tutelar em 15 de agosto de 2024, o local com muro alto isolado por concertina e por cerca elétrica, já recebia 15 pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo a adolescente. Apesar de os responsáveis alegarem que estavam em processo de regularização, não havia alvará, licenças da Agevisa, da Prefeitura nem do Corpo de Bombeiros.
Relatórios oficiais confirmaram a precariedade. O CRM-PB classificou o espaço como comunidade terapêutica não médica, vedada à assistência médica interna, acolhendo cerca de 10 pessoas sem condições técnicas ou legais para tanto. O Corpo de Bombeiros constatou ausência de brigada de incêndio, saídas de emergência e certificado de funcionamento. A Agevisa reforçou que o acolhimento era voluntário, mas concluiu que a instituição não dispunha de requisitos de segurança sanitária, concedendo apenas 24 horas para regularização.
Arquivamento
Em abril de 2025, a promotoria verificou que a unidade seguia em funcionamento, mas em maio foi finalmente fechada. Dois dias depois, o representante ministerial determinou o arquivamento do inquérito, após atingir o objetivo da efetivação da inspeção do espaço e o consequente fechamento, decisão homologada pelo Conselho Superior do MPPB.
O caso evidenciou um problema estrutural: a vulnerabilidade de milhares de pessoas e famílias que buscam apoio contra a dependência química e encontram instituições sem preparo para oferecer tratamento digno. A falta de fiscalização eficiente e a demanda crescente criam terreno fértil para o surgimento de locais que, em vez de recuperar, aprofundam a exclusão social.
Realidade alarmante
De acordo com dados do Relatório Mundial sobre Drogas 2025, publicado pelo UNODC, apenas uma em cada 12 pessoas com transtornos relacionados ao uso de drogas recebeu algum tipo de tratamento em 2023. No mesmo ano, mais de meio milhão de mortes foram atribuídas ao consumo de drogas, resultando em 28 milhões de anos de vida saudáveis perdidos.
No Brasil, a Fiocruz estima que 3,5 milhões de pessoas sejam dependentes químicos e a Unifesp aponta que 11,7 milhões convivem com a dependência alcoólica. Embora o número de internações relacionadas ao álcool tenha caído — de 57 por 100 mil habitantes em 2010 para 27 em 2023, segundo o CISA —, a realidade ainda é alarmante. Nessas condições, clínicas e centros de reabilitação com estrutura profissional desempenham papel fundamental, oferecendo atendimento psiquiátrico, oficinas terapêuticas e períodos de internação que variam entre 90 e 180 dias.