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Por que o afrouxamento nas regras da cirurgia bariátrica exige cautela e vigilância

Por que o afrouxamento nas regras da cirurgia bariátrica exige cautela e vigilância

O Conselho Federal de Medicina decidiu flexibilizar as regras para a realização da cirurgia bariátrica no Brasil. A medida amplia o público apto a passar pelo procedimento, incluindo agora adolescentes a partir de 14 anos e pessoas com obesidade grau I (IMC acima de 30).

Antes, o critério mínimo era o IMC de 35. Embora a mudança seja justificada por avanços científicos, há motivos concretos para preocupação diante do risco de banalização de um tratamento invasivo que não pode ser confundido com solução estética.

Apenas 98 serviços habilitados a realizar pelo SUS

A decisão ocorre em um contexto alarmante, onde o Atlas Mundial da Obesidade estima que 68% dos brasileiros estejam com excesso de peso, dos quais 31% já atingiram o estágio de obesidade. Entre 2020 e 2024, foram realizadas cerca de 291 mil cirurgias bariátricas no Brasil. No entanto, em 2024, houve uma queda de 18% na procura pelo procedimento, com 58,5 mil operações registradas. A obesidade, contudo, continua crescendo, especialmente entre jovens: até 2035, metade das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos poderá ter sobrepeso ou obesidade.

Nesse cenário, o afrouxamento das regras pode parecer uma resposta pragmática. Mas a realidade da saúde pública brasileira impõe um alerta. Apenas 98 serviços em todo o país estão habilitados a realizar a cirurgia bariátrica pelo SUS, que contempla apenas 0,2% dos pacientes que precisam do tratamento. Quatro estados sequer oferecem o procedimento na rede pública. A ampliação dos critérios, sem investimentos compatíveis em infraestrutura e equipes multidisciplinares, pode sobrecarregar ainda mais um sistema já colapsado e seletivo.

Volta ao ponto de partida

É sempre bom lembrar que a cirurgia bariátrica não é uma cura mágica, pois exige rigorosa preparação e acompanhamento a longo prazo. Médicos alertam para o risco de reganho de peso caso o paciente não mude hábitos de vida. Mesmo após o procedimento, a obesidade segue sendo uma condição crônica, associada a distúrbios metabólicos, emocionais e sociais. Há inúmeros casos de pessoas operadas que, anos depois, voltam ao ponto de partida ou ainda pior.

A decisão do CFM ignorou que o Brasil tem quase metade da sua população adulta sedentária, segundo a OMS. Sem políticas públicas efetivas de prevenção, alimentação saudável e incentivo à atividade física, o país está apenas tratando os efeitos da obesidade, não as causas. Ampliar o acesso à bariátrica sem atacar os determinantes sociais e comportamentais da doença é tratar sintomas com bisturi e ignorar a raiz do problema.

A nova regra pode ser positiva em casos graves, mas precisa vir acompanhada de responsabilidade, fiscalização e investimentos. O afrouxamento das exigências não pode ser sinônimo de negligência. O corpo humano não é uma planilha e a saúde pública não pode ser administrada por estatística apenas. A verdadeira urgência é garantir que a cirurgia seja um recurso de última instância e nunca uma saída fácil para um problema que, em muitos casos, começa no prato e termina na omissão do Estado.

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