O chamado “abastecimento mínimo vital” de água, proposto na Câmara de João Pessoa, pode parecer benefício, mas esconde graves riscos: comunidades vulneráveis podem ficar sem abastecimento por horas, caso o consumo diário seja esgotado antes do previsto. O que seria direito pode virar castigo.
O Projeto de Lei Ordinária nº /2025, de autoria do vereador Marcos Vinícius Nóbrega (PDT), que pretende instituir o chamado “abastecimento mínimo vital” em João Pessoa, soa como peça de ficção quando comparado ao impacto real que pode provocar. A proposta, que em tese garantiria 3,3 m³ de água potável por pessoa a famílias de baixa renda, pode se transformar em um pesadelo para comunidades inteiras, onde a falta de controle individual sobre o consumo tende a gerar cortes coletivos no fornecimento.
Um exemplo prático demonstra o risco: em uma comunidade com 500 casas com duas ou mais pessoas, como é comum, o consumo diário estimado seria de 55 mil litros. Caso o volume fosse esgotado em metade do dia, todos ficariam sem água pelo restante das horas, justamente os mais carentes, que dependem de serviços básicos para manter condições mínimas de dignidade. O que o projeto vende como benefício pode, na realidade, impor transtornos graves a quem mais precisa.
Ficção ou solução?
Especialistas apontam que a medida, além de inviável na prática, ignora alternativas já existentes e mais eficazes. Uma revisão da tarifa mínima da CAGEPA, por exemplo, poderia permitir que famílias pagassem apenas pelo que consumissem, evitando o bloqueio arbitrário de água. Esse modelo seria mais justo e preservaria o acesso contínuo, em vez de punir toda a comunidade por eventuais desperdícios de alguns.
O risco de transformar benefício em castigo
A iniciativa parlamentar, ao invés de proteger a população vulnerável, pode aprofundar a exclusão social, impondo cortes diários e imprevisíveis de um recurso vital. O que se apresenta como avanço pode, na prática, significar retrocesso. Resta à sociedade questionar: é justo impor uma lei que ameaça retirar da parcela mais pobre da população o direito elementar à água, sob a justificativa de oferecer um “mínimo vital”?