Há debates que soam técnicos à primeira vista, mas carregam dramas humanos silenciosos. Assim Guilherme Feliciano, juiz do trabalho de Taubaté (SP) e conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tratou da recente emenda constitucional que alterou novamente o regime de precatórios, abrindo espaço para parcelamentos sem limites definidos. Para ele, o tema preocupa sobretudo quando atinge “precatórios alimentares”, muitos deles ligados a créditos trabalhistas indispensáveis à sobrevivência de famílias inteiras.
É o caso, por exemplo, da Paraíba, que hoje paga precatórios de 2017 e mantém o limite para Requisições de Pequeno Valor em dez salários-mínimos. A situação motivou a criação, pelo Sindojus-PB, de um Grupo de Trabalho composto por entidades que passaram a denunciar o drama humano provocado pela demora no pagamento, problema que ilustra, na prática, a preocupação exposta por Feliciano no Congresso.
O magistrado lembrou que a Ordem dos Advogados do Brasil já ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade para questionar pontos da emenda, e que a decisão do Supremo será determinante para definir o rumo do sistema. Segundo Feliciano, além de prolongar indefinidamente a quitação de débitos, a norma afeta credores que há anos aguardam receber valores reconhecidos judicialmente.
Inconstitucionalidades
Ao falar como professor de direito do trabalho, direito internacional e direitos humanos do departamento de direito do trabalho e seguridade social da faculdade de direito da Universidade de São Paulo, Feliciano foi direto: “A meu ver, há inconstitucionalidades, especialmente quanto ao próprio direito de propriedade”. Ele ressaltou que o crédito já integra o patrimônio do credor e que soluções que eternizam o pagamento esvaziam o núcleo intangível desse direito fundamental. Isso vale para trabalhadores, aposentados e qualquer cidadão que dependa de um precatório para reorganizar a vida.
Para o conselheiro, o país ainda verá “muitas águas correrem” até que esse tema encontre equilíbrio entre responsabilidade fiscal e respeito às decisões judiciais transitadas em julgado. A análise foi colhida pelo jornalista Cândido Nóbrega durante o maior encontro nacional da atividade extrajudicial em 2025, realizado no Hotel Royal Tulip Brasília Alvorada, que reúne ministros, juristas, notários e registradores sob o tema Prerrogativas Extrajudiciais: Instrumentos para Entrega de Segurança Jurídica.