Oito bebês nasceram no Reino Unido livres de doenças mitocondriais hereditárias após um procedimento inovador de fertilização que utiliza material genético de três pessoas. A técnica, desenvolvida por cientistas britânicos, combina o óvulo da mãe, o esperma do pai e mitocôndrias saudáveis de uma doadora. Embora autorizada no país há uma década, essa é a primeira vez que há comprovação de nascimentos bem-sucedidos a partir do método, abrindo uma nova perspectiva para famílias com histórico dessas doenças incuráveis.
As doenças mitocondriais, transmitidas exclusivamente pela mãe, comprometem a produção de energia das células e podem causar desde falência de órgãos até morte precoce. A nova técnica remove os núcleos do óvulo da mãe e os insere em um óvulo de doadora, previamente fecundado com o esperma do pai, garantindo que o embrião receba mitocôndrias saudáveis. O DNA herdado dos pais permanece praticamente inalterado, com apenas 0,1% do material genético vindo da doadora. O procedimento foi realizado no Newcastle Fertility Centre, especializado em doenças mitocondriais raras.
Resultados animadores
Apesar da complexidade e das implicações éticas do processo — que altera de forma permanente a herança genética humana — os resultados foram animadores. Segundo artigos científicos publicados no New England Journal of Medicine, todas as crianças nascidas até o momento estão saudáveis e atingiram os marcos de desenvolvimento esperados. Houve apenas dois efeitos adversos: um caso de epilepsia resolvido espontaneamente e um distúrbio cardíaco sob controle. Nenhum deles foi relacionado à técnica. Em alguns casos, pequenas quantidades de mitocôndrias doentes foram detectadas, mas abaixo do limite que causa a doença.
Pioneirismo na ciência e na regulamentação
O avanço foi saudado por cientistas, famílias e instituições ligadas à luta contra doenças hereditárias. “Esse tratamento nos deu esperança e depois nos deu nosso bebê”, declarou a mãe de uma menina nascida pelo novo método. Outra mãe relatou o fim do “fardo emocional da doença mitocondrial”. Para famílias como a de Kat Kitto, cuja filha mais nova sofre gravemente da condição, a descoberta representa uma mudança de geração: “É a esperança para meus filhos e netos terem uma vida normal”, disse Lily, filha mais velha de Kat.
O Reino Unido foi pioneiro não apenas na ciência, mas também na regulamentação dessa técnica, sendo o primeiro país a legalizar a prática em 2015. Houve debate ético e temores de que a inovação abrisse caminho para a engenharia genética de “bebês sob medida”, mas os resultados reforçam seu caráter estritamente terapêutico. “Só o Reino Unido poderia ter unido ciência, legislação e saúde pública de forma tão eficaz”, destacou o professor Doug Turnbull, da Universidade de Newcastle. A expectativa é que entre 20 e 30 bebês nasçam por ano com o método, oferecendo esperança concreta a milhares de famílias no mundo.