O que falar do “primeiro” Cândido?
Foi esposo dedicado, pai amoroso, proprietário de drogaria, secretário das Prefeituras de Pombal e de Catolé do Rocha, administrador do Hospital Napoleão Laureano, advogado, carismático, leal, amigo, amado e devidamente homenageado em diversas esferas.
Carrega seu nome uma das ruas do bairro do Aeroclube, no Parque Parahyba IV, gesto feito pelo vereador Fabiano Villar (in memoriam), fundador da Associação Promocional do Ancião e dotado de rara sensibilidade, que, por conhecer de perto sua trajetória pessoal e profissional, fez o requerimento, aprovado à unanimidade pela CMJP.
Elevado a um Plano Superior em 1989, aos 72 anos de idade, ele deixou, junto à inseparável Maria do Carmo (Carmelita), seis filhos: Márcio Roberto, Maria Eliza, Marilza, Maria de Fátima e eu, Cândido Filho, cujo primogênito homenageei com o seu nome.
Nessa data saudosa, celebro a essência dele, Cândido da Nóbrega Ferreira, através da crônica poeticamente descrita pelo amigo fraterno da família, Luiz Augusto Crispim (in memoriam) no texto literário abaixo intitulado “Cândido Ser”, que há quase 35 anos guardamos com carinho e gratidão para sempre em nossas memórias e corações,
A vida é partitura que se recebe fechada. Composta por Deus, que, um belo dia, nos abre os olhos e ordena:
— É a tua vida. Toca como puderes, mas toca o melhor que puderes.
É assim que se começa a tocar a vida. Muitas são melodiosas, límpidas e radiantes, executadas por autênticos virtuosos da arte de viver. Outras vidas desafinam no primeiro movimento e vão assim até o final. Há gosto para tudo na vida. Desde as melodias imortais até as sinfonias inacabadas.
Seu Cândido para mim foi uma área singela, mais alegre do que triste, pois o riso que trazia sempre naquele seu tom de barítono tinha muito mais poderes do que qualquer outra nota sentida que Deus tivesse composto para o seu viver e cantar.
Tinha um jeito próprio de encantar as pessoas, entre Anthony Quinn e São Francisco de Assis. E precisava mesmo das virtudes de ambos para nos aturar paternalmente em sua casa. E a cada um de nós reservava o mesmo riso melodioso. De Emilton Amaral a Evandro Nóbrega, de Ponce a mim mesmo, éramos todos notas felizes da sua própria vida.
A voz forte na rua era um solo de orgulho:
— Lula!
Um acorde de bem querer o nome da gente em seus lábios. Nestes vinte e tantos anos foi sempre assim. Por onde o encontrássemos, a voz grave era a mesma. Só o orgulho e o carinho meio heróico, meio franciscano, é que redobravam a cada encontro.
Pouco importava o tempo que escoasse no meio de nós. A distância era a mesma, tanto fazia morarmos na mesma ruazinha do verão de Tambaú quanto em bairros diferentes. Não havia tempo nem espaço que nos apartasse o afeto. Um afeto que tinha nome:
— Seu Cândido.
E tinha resposta:
— Lula.
Estes setenta anos de notas mal feridas vão ficar sustentadas na alma da gente. Sei que é assim porque as tenho guardadas de outras melodias executadas no mesmo tom. Ainda ouço fragmentos de um piano distante que trarei sempre comigo. Bemóis da memória do meu pai morto na Treze de Maio. Ele também tem outra sinfonia tosca e inacabada.
Na tarde de ontem, entrando naquela nave antiga dos Carmelitas, vi pela primeira vez Seu Cândido em silêncio. Pela primeira vez, não se esboçou o riso sinfônico, o solo afetuoso preso lá dentro de si. A ausência da voz impôs-me a consciência repentina de que à medida que as nossas vidas vão se povoando de ausências como estas do meu pai, de Seu Cândido e de outras que, desgraçadamente virão, vamos ficando irremediavelmente sós.
Sem despedidas, retirei-me devagar, levando uma remota esperança de ouvir as minhas costas, antes de atravessar a soleira da igrejinha, a voz de sempre, ainda que em tom de gran finale:
— Lula.
Nada. Só levei o silêncio de volta à rua.